por Ana Paula Cadengue
A Cidade Alta em dezembro era certeza de ruas iluminadas e famílias inteiras cheias de pacotes tentando andar de mãos dadas para ninguém se perder. As lojas ofereciam mercadorias para todos os gostos e bolsos. Quando o dia não era de compras, o lazer estava assegurado pelos cinemas e delícias com endereço certo, como um bom suco de frutas nativas, um pastel quentinho ou um sorvete saboroso. Nas calçadas, uma democrática mistura de estudantes, donas de casa, trabalhadores e visitantes.
Era assim. E já faz um tempo. O que se observa hoje na mesma Cidade Alta é um vazio que dói não só em quem conheceu os ditos tempos áureos, em quem vivenciou o Centro em algum momento de sua história – dos Cafés Grande Ponto e Magestic ao Café São Luiz, à Casa da Maçã, dos movimentos populares no calçadão da João Pessoa às apresentações teatrais do Alegria, Alegria, da escada rolante da Lobras aos cinemas Nordeste ou Rio Grande –, mas também em quem está só de passagem para dar uma olhada. É triste ver lugares outrora tão disputados sendo lacrados com tijolo e cimento.
Enquanto se revitalizam ou requalificam alguns prédios e espaços, outros se fecham e alguns órgãos e instituições públicas mudam de endereço, comprometendo ainda mais a vitalidade da Cidade Alta. Em contraponto, eventos culturais pululam e movimentam o bairro. O Festival Histórico de Natal, que ao longo do tempo se tornou cada vez mais grandioso e passou a fazer parte do calendário de festividades tradicionais da capital potiguar, é uma dessas iniciativas. “Precisamos resgatar o amor pela cidade, Natal tem um acervo cultural maravilhoso, diz Jarbas Filho, idealizador do evento.
Saindo do Marco Zero de Natal, a Praça André de Albuquerque, a Caminhada Histórica realizada no último dia 2 de dezembro levou mais de 2 mil pessoas às ruas com o objetivo de retomar o interesse e aproximar a população e os turistas do centro histórico da cidade. Para Alexandre Rocha, historiador que guia o passeio, o evento é uma oportunidade de se conhecer mais sobre o local em que vivemos, uma aula. “Houve um tempo em que esse era o Grande Centro. A cidade se desenvolveu a partir desse redor. Ruas, praças e avenidas que contam a História de Natal”.
Foi bonito ver famílias inteiras aproveitando a tarde do sábado para saber um pouco mais sobre Natal e seus monumentos. As irmãs Josy e Irla Ribeiro participaram pela primeira vez da Caminhada Histórica a convite da mãe e estavam animadas com o passeio. “Venho geralmente pro Beco da Lama, pro Zé Reeira, já fui também para um evento na Casa Vermelha, na Pinacoteca… Eu acho o Centro lindo e é incrível o resgate da cidade. Infelizmente alguns pontos estão mortos por falta de investimentos do setor público, mas acho o Centro incrível e gostaria muito de vê-lo vivo”, conta Irla.
Aos 50 anos, o fotógrafo José Aldenir, o ‘Joinha’, lembra que sempre frequentou o lugar. “Aqui é bacana, gosto de almoçar no Beco da Lama. Infelizmente o comércio teve uma caída, principalmente após pandemia. Eu reparo também que os comerciantes reclamam que os preços dos aluguéis são muito altos e termina o pessoal migrando para outros locais. Antigamente, o final de ano todo mundo vinha comprar roupa pras festas aqui, no São João também. Hoje, o comércio mais popular deixou o centro e foi para o Alecrim”.
A percepção de ‘Joinha’ é corroborada pelo colega de profissão, Fernando Pereira. Morador do Barro Vermelho, o fotógrafo fluminense radicado em Natal há 50 anos lamenta a falta de continuidade dos investimentos públicos no Centro da Cidade. “Moro perto, gosto de andar por aqui. Natal é uma cidade linda, infelizmente as praças não são bem cuidadas, entra ano sai ano, as praças continuam mal cuidadas, prédios mal conservados… também frequento o comércio do Centro que está em crise, todo mundo vê, muita coisa fechando”.
Fernando acredita que deveria haver um incentivo para alavancar o turismo na região. “Natal não é só praia. Precisa reformar… Quem vem pra cá não conhece a cidade, não tem um ‘city tour’, não tem nada pra conhecer o Centro”, reclama.
A Cidade Alta e o bairro da Ribeira formam o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico da cidade de Natal, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, em 2010. O centro histórico possui um conjunto preservado com elementos urbanos do núcleo colonial e outros que evidenciam a trajetória de modernização da cidade. Os prédios mais conhecidos são a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação (Catedral antiga), o Palácio do Governo, atual Pinacoteca, o Sobradinho (hoje Museu Café Filho), o Palácio Felipe Camarão, sede da Prefeitura do Natal, Solar Bela Vista e o Theatro Alberto Maranhão.
Para o historiador Thiago Henrique, o Centro não precisa só de comércio, eventos e turismo e sim de ocupação popular. “Aqui não é um bairro em que se vive, é um bairro que se consome comercialmente, mas ele é consumido até determinado ponto, no horário comercial. Na minha percepção, para que o centro comece a ser vivido 24 horas, precisa que exista um projeto de moradia popular para que as pessoas vivam realmente aqui e não só sobrevivam do comércio formal e de ambulantes”, defende.
Com uma vivência desde a infância no bairro em que seus pais trabalhavam, Thiago costuma frequentar o Centro da Cidade profissionalmente e para lazer, além de desenvolver pesquisas na área para a universidade federal. “A cidade muda com o tempo, se renova e eu gosto de acompanhar essa dinâmica. Mas, sinto falta de pessoas vivendo aqui para além de momentos de transporte ou trabalho. Eu sinto falta disso 24 horas. Não existe segurança, não existe possibilidade de ter um tipo de turismo acessível no centro histórico… O caminho da Cidade Alta é a ocupação popular, principalmente dos prédios que estão à mercê da especulação imobiliária”, afirma o jovem historiador.
A despeito do esvaziamento e fechamento de lojas, a comerciante Lindomar Medeiros costuma rebater quem fala que “o Centro está morto”. Dona de uma ótica no edifício Barão do Rio Branco, Lindomar lembra que dali vivem muitas famílias que se levantam cedo e trabalham duro todas as semanas. “Podem vir, não morreu, não. Aqui no Centro você consegue comprar de tudo. E os preços são os melhores”, convida ela.
Acreditando nisso, o Sistema Fecomércio RN lançou o “Brilha Natal”, que será realizado entre os dias 13 e 23 de dezembro e promete movimentar o comércio de rua do Alecrim e da Cidade Alta com uma extensa programação cultural. “O Centro da Cidade está passando por um esvaziamento, as pessoas se afastaram. O ‘Brilha Natal’ é mais uma contribuição na tentativa de reverter essa situação, de chamar as famílias para passear e fortalecer o comércio de rua”, afirmou o presidente da Fecomércio RN, Marcelo Queiroz, durante o lançamento do projeto, no último dia 24.
Iniciativas como essa, junto com os diversos eventos culturais no Centro Histórico, talvez consigam trazer de volta a efervescência do bairro e seus inúmeros clientes e visitantes. A beleza dos longevos prédios e templos religiosos é um charmoso diferencial que costuma encantar gente de todas as idades e emociona quem já caminhou muito por essas ruas, como o senhor Jaime Rodrigues Magalhães, de 90 anos, que estudou na antiga Faculdade de Farmácia e fez questão de participar pela primeira vez da Caminhada Histórica de Natal. “Gosto dos prédios históricos, da antiga governadoria, do prédio da Prefeitura, a praça André de Albuquerque …”.
– Do que o senhor tem saudade?
– “Do Centro da Cidade”.