Um grupo internacional de astrofísicos anunciou, neste mês, a descoberta de um exoplaneta coberto de água e distante o suficiente de sua estrela que até permite supor a existência de vida nele. Localizado a 100 mil anos-luz de onde estamos, o TOI-1452b está sendo chamado de “super-Terra” ou “planeta-oceano” devido às suas características. Para o astrônomo José-Dias do Nascimento, representante da UFRN no estudo que resultou no achado, descobertas como essas representam um importante passo no entendimento da diversidade cósmica e ensinam quão raro podem ser os parâmetros vitais encontrados aqui na Terra.
Líder do Grupo de Estrutura, Evolução Estelar e Exoplanetas (Ge3), do Departamento Física Teórica e Experimental (DFTE/UFRN), e pesquisador do Center for Astrophysics, de Harvard (EUA), Dias explica que o TOI-1452b tem 1.67 vez o raio da Terra e uma órbita de 11 dias em torno de uma estrela anã M. A descoberta foi possível graças ao SPIRou, instrumento caçador de novos mundos que utiliza a luz no infravermelho do Telescópio Canadá – França – Havaí Telescope (CFHT), instalado no cume da montanha Maunakea, no Havaí (EUA). O trabalho e as especificações desse corpo celeste foram publicados no centenário periódico The Astronomical Journal.
“O TOI-1452b é provavelmente um planeta rochoso como a Terra, mas seu raio, massa e densidade sugerem um mundo diferente do nosso”, disse José-Dias. De acordo com o astrônomo, a água pode representar 22% de sua massa, uma proporção semelhante à das luas de Júpiter – Ganimedes e Calisto – e das luas de Saturno – Titã e Encélado.
Por outras vezes chamado de “mundo da água”, o TOI-1452b já é considerado um dos alvos principais para a caracterização atmosférica futura com o James Webb Space Telescope (JWST) e para análise através de espectroscopia de transmissão. O sistema está localizado próximo da zona de observação contínua do JWST, o que significa que pode ser seguido em praticamente qualquer momento do ano. “O TOI-1452b é ainda um sistema único quando se estuda exoplanetas na transição entre super-Terras e mini-Netunos”, conta José-Dias.
O astrônomo da UFRN e seu time (Ge3), que estudam a evolução das estrelas, sua estrutura e exoplanetas, têm trabalhado na caça de planetas extra solares, entre outros temas, e possuem várias descobertas publicadas nos últimos anos. O novo achado soma-se aos anteriores, descobertos pelo grupo, como o TOI-257b (HD 19916) e o Saturno quente TOI 197b.
“Esta é uma descoberta importante para nosso grupo na UFRN, pois, em pouco menos de três anos, estamos anunciando o quarto exoplaneta com nossa participação. O anterior foi o TOI-257b, que é um exemplo do que chamamos de ‘sub-Saturnos’, planetas maiores que Netuno e menores que Saturno. Agora estamos revelando uma super-Terra. Esses astros são ausentes na arquitetura do nosso Sistema Solar, apesar de possíveis”, disse José-Dias.
Em lições aprendidas com os exoplanetas, José-Dias do Nascimento afirma que o universo é um lugar peculiar e diverso, com muitos tipos de corpos celestes. “Existem os sub-Saturnos, as super-Terras e os mini-Netunos. Esses não existem no nosso quintal, o Sistema Solar, e descobertas assim revelam a diversidade cósmica residual”, reforça. O pesquisador da UFRN adianta que dados mostram ainda resultados que devem seguir nos próximos artigos, já que o instrumento SPIRou é único no mundo que vai além de um caçador de exoplanetas, pois é também um caracterizador do magnetismo estelar.
As super-Terras
Uma super-Terra é um planeta extra-solar com uma massa maior do que a da Terra, mas substancialmente inferior à massa dos gigantes de gelo do Sistema Solar: Urano e Netuno. Podem ser feitos de gás, rocha ou uma combinação de ambos. Eles têm entre o dobro do tamanho do nosso astro e até 10 vezes a sua massa.
O termo “super-Terra” refere-se apenas à massa do planeta e, portanto, não implica nada sobre as condições de habitabilidade. Esses rochosos são abundantes em nossa Galáxia e são ainda os mais prováveis de serem habitáveis. Entender melhor sobre sua estrutura interior tem ajudado a prever, por exemplo, se diferentes planetas são capazes de gerar campos magnéticos – considerados fundamentais para a sobrevivência.
SPIRou: o caçador de Exoplanetas
SPIRou (InfraRed SpectroPolarimeter) é um instrumento astronômico especializado em observações no infravermelho próximo e projetado para detectar e caracterizar sistemas exoplanetários vizinhos do nosso Sistema Solar, além de observar o nascimento de estrelas e planetas. Instalado no Telescópio Canadá-França-Havaí (CFHT) desde o início de 2018, já realizou muitas detecções.
Outros instrumentos em construção devem aparecer após o SPIRou, embora este tenha sido o primeiro a observar e utilizar a espectroscopia no infravermelho para “ver” mais longe. O projeto intitulado Exploração dos Novos Mundos é parte das ações do Observatório Midi Pyrenees, da Universidade Toulouse III – Paul Sabatier, com colaboração da UFRN.
O SPIRou é gerido no âmbito de um consórcio internacional liderado pela França, associado ao CFHT, Canadá, Suíça, Brasil, Taiwan e Portugal. Localizado em um dos melhores sites astronômicos do mundo, o instrumento saiu na frente e mostra o caminho para outros telescópios. “O SPIRou é hoje um instrumento-chave em funcionamento e deve continuar mostrando a rota por mais uma década”, complementa o pesquisador José-Dias.